segunda-feira, 11 de julho de 2016

Eternidade (resenha)


Resenha do livro "Gramática expositiva do chão" (Manoel de Barros) e do conto "A Biblioteca de Babel" (Jorge Luis Borges)...


Borges e Barros ­ como lhes resenhar? E, por favor, não me interpoles com interpretações giriáticas. Digo denotativamente “resenhar”. Nada de paquera. Nesta última semana, fiquei pensando, angustiando-­me, mirabolando frases e reflexões bonitinhas sobre estes dois mundos literários. Porém, hoje me dei conta de que “coisas bonitinhas” não se encaixariam numa concepção babélica, muito menos que descreveriam a ousadia, quase ex-­incompreensível, de Manoel de Barros. “Ex-incompreensível” porque estou quase compreendendo incompreensivelmente o que deveria sim/não compreender. Pode parecer confuso, mas é verdade, afinal, como já diria este grande poeta: “Poesia não é para entender mas para incorporar. Entender é parede: procure ser árvore”. Então, digamos que precisava incorporar dois escritores: Jorge Luis Borges e Manoel de Barros para, então, conseguir resenhar. Entretanto, como incorporar, relacionar e escrever uma resenha sobre estes dois escritores? A resposta é simples, porém não óbvia: correlacionando-­os com um outro escritor. E hoje de manhã tive este “click”. Para a complexidade sarcástica e intrigante de Borges e para as estranhas loucuras repentinas e “naturalescas” ­ - referente à natureza ­- de Barros, nada mais fofo do que os poemas de Quintana. E foi (re)lendo um livro deste queridíssimo poeta que achei o amálgama para minha resenha: imaginação, liberdade e infinitude.


No começo do conto “A Biblioteca de Babel”, conta­-se que os homens da biblioteca passam a sua juventude peregrinando entre os corredores em busca de uma interpretação coesa a respeito dos intermináveis livros e suas intermináveis abordagens. E a vida passava, assim como a vida do narrador passou: mergulhada sob catálogos e catálogos. Neste pedaço do texto, fui desenhando mentalmente o retrato da ânsia que os jovens e todos os outros têm de querer buscar o sentido da vida, o sentido de viver, de respirar, a fórmula mágica do sucesso e do poder, o inalcançável conhecimento pleno. E, no decorrer das linhas, o meu desenho foi ficando cada vez mais claro e satírico. No final, senti repúdio dos traços mentais.



Poderia analisar minha visão de mundo da seguinte maneira: antes de Borges e depois de Borges. Ao terminar de ler o conto, fiquei estarrecida e apaixonada e inconformada e inspirada e, enfim... queria reescrever o texto porque achei-­o tão sinceramente real que os fatos do nosso universo iriam se encaixar ­ sem precisar fazer força ­ tão completamente no universo da Biblioteca que era algo impressionante! E falei: “Terminei de ler um dos melhores textos da minha vida!...”.



Hoje de manhã, procurando uma frase para publicar na página do Facebook do Clube de Escrita, Mario Quintana presenteou-me com as seguintes palavras: “E, mesmo para os simples leitores de poemas, que são todos eles uns poetas inéditos, a poesia é a única novidade possível. Pois tudo já está nas enciclopédias, que só repetem estupidamente, como robôs, o que lhes foi incutido. Ou embutido. Ah, mas um poema, um poema é outra coisa...". Então, a lâmpada acendeu­-se. Os livros da Biblioteca de Babel e as enciclopédias “googlescas” do nosso universo precisam ser entendidas, compreendidas; já a poesia, que chamaria de “vida”, precisa ser sentida, incorporada. Foi neste instante que eu compreendi, ou melhor, incorporei Borges e Barros. Afinal, o que adianta ter todo o infinito conhecimento em mãos se não há imaginação para vivê-­los livremente?



Quando o sentido da vida é incorporado, a imaginação é capaz de ultrapassar o limite puramente humano, e a liberdade faz com que atravessemos os corredores infinitos da Biblioteca. E, então, entra em cena Manoel de Barros, que descreve incessantemente, no seu livro “Gramática expositiva do chão”, os elementos da natureza. O escritor perpassa as formas das coisas, ou seja, Barros transforma o limite em infinito; a busca aprisionante pelo conhecimento erudito pleno, em liberdade poética.



Hoje quero ser, como já diria Barros, ­uma pássara. E, para ser pássara, preciso ter imaginação. Quero também ser poetisa para viver a liberdade poética. Poetisa contaminada de pássaros, de árvores, de rãs. Quero caminhar entre os corredores infinitos da minha Biblioteca sem deixar morrer a poesia, digo, a vida. O que adianta suicidar-­me lentamente por uma coisa “iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta”? O solitário conhecimento é estupidamente robótico. Pois, então, saibas, meu amigo, que a infinitude da poesia é muito maior!...



"O homem erudito é um descobridor de fatos que já existem ­ mas o homem sábio é um criador de valores que não existem e que ele faz existir." (Albert Einstein)



Kaori de Novaes Kawano
Bolsista voluntária do Projeto "Textualidades babélicas"
Estudante do Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio em Química (IFSC/Campus Florianópolis)

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